segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Conheça os riscos à saúde e qualidade de vida dos policiais brasileiros.







Por Fabrício Gildino*.


1 A profissão policial é, indiscutivelmente, uma das atividades de maior risco para os trabalhadores. Ainda mais se considerarmos a realidade brasileira, cujas taxas de criminalidade violenta intencional estão entre as maiores do mundo. Cite-se, por exemplo, que das 50 cidades mais violentas do mundo, 10 são brasileiras, segundo estudo divulgado pela organização Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal, sediada no México. São elas:

Cidades Brasileiras mais violentas em 2022

Taxa de homicídios por 100.000 habitantes

  1. Mossoró/RN

63,21

  1. Salvador/BA

56,68

  1. Manaus/AM

50,66

  1. Feira de Santana/BA

50,11

  1. Vitória da Conquista/BA

47,41

Tabela 1 - Fonte: ONG Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal




2.    Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, 190 policiais foram assassinados no Brasil. A quase totalidade dos mortos (97,7%) eram homens, conforme os dados abaixo.


Imagem 1 - Vitimização policial em 2021.




3. Dentre os policiais assassinados, ainda segundo o FBSP, a maioria das mortes (75%) ocorreu na faixa etária entre 30 e 54 anos. 


Imagem 2 - Morte violentas intencionais de Policiais por faixa etária.




4.    Com relação aos meios empregados, constata-se que os assassinatos de policiais são praticados quase que integralmente por armas de fogo (92% dos casos), armas brancas e outros meios.


Imagem 3 - Assassinatos de policiais por instrumento empregado.





5.    Um dado que chama a atenção é que em 77% dos casos os policiais estavam fora de serviço.



Imagem 4 - Assassinatos de policiais por frequência em serviço.





6. A exposição ao risco diário também talvez possa explicar o aumento observado ainda no número de suicídios entre os profissionais de segurança pública, da ativa e aposentados. De acordo com o FBSP, “O Distrito Federal acumula, desde 2019, alta de 83,33%” no número de policiais que cometeram auto-extermínio, contrariando inclusive uma tendência de leve queda em outros Estados. Apenas a título de comparação, segundo o Ministério da Saúde, no período entre 2010 e 2019, a taxa média de suicídios no Brasil aumentou 43%.


Imagem 5 -Comparativo sobre a evolução do número de suicídios na população geral e entre Policiais do DF. Elaborado por AAPC.




7. Além desses dados alarmantes, é preciso reconhecer que a atividade policial também impacta negativamente a qualidade de vida de seus profissionais. Um interessante estudo da pesquisadora Maria Cecilia de Souza Minayo, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), concluiu que  “a medida do peso corporal dos policiais (civis e militares) é 32% superior à média da população brasileira segundo a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição”.  O problema decorre especialmente da elevada carga de trabalho, aliada a um repouso remunerado insuficiente, o que impede que os profissionais possam desfrutar de uma rotina adequada de alimentação e treinamento esportivo que seriam exigidos para o melhor desempenho da atividade profissional. 







8. Com relação à necessidade de tratamento médico, em comparação com a média da população brasileira, é preciso lembrar também que policiais de uma maneira geral apresentam maiores índices de intervenções médicas, como intervenções cirúrgicas e internações hospitalares. Nessa última categoria por exemplo, o mesmo estudo da FIOCRUZ constatou que as internações hospitalares em um ano atingiram em média 14,3% dos profissionais de segurança pública no Rio de Janeiro, contra uma taxa média de 6,6% constatada na população geral pela Pesquisa Nacional de Saúde 2019, conforme o gráfico abaixo.


Imagem 6 -Comparativo entre o percentual médio de internação hospitalar na população brasileira em geral e entre os profissionais de segurança pública. Elaboração AAPC.




9. Todos os dados apontados acima evidenciam que a atividade policial deve ser considerada segundo suas próprias especificidades. Nesse sentido, a Fundação Getúlio Vargas, um um estudo que abordou especialmente a Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Civil do Distrito Federal, observou que aos 50 anos, a expectativa de vida do policial é de aproximadamente 2 anos e 3 meses a menos que os demais funcionários públicos.


Imagem 7 -  Comparativo entre expectativa de vida do policial comparado aos demais servidores públicos. FGV.






10. O levantamento da FGV permitiu observar, também, os anos de vida perdidos das carreiras policiais comparados à média do serviço público comum, constatando-se que os servidores policiais são mais diretamente afetados em sua longevidade.







Imagem 8 -  Comparativo entre expectativa de vida do policial comparado aos demais servidores públicos.FGV.





11. Esse dado corrobora outro levantamento feito pelo Departamento de Ciências Farmacêuticas do Centro de Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), divulgado em 2019, que identificou que Policiais e Bombeiros morrem em média aos 58 anos, enquanto a média do brasileiro, segundo o IBGE, é de 78 anos. O estudo apontou, também, para uma expectativa de vida de 6 anos após a aposentadoria para o policial. A pesquisa, realizada entre 1988 e 2018, também identificou as principais causas de mortalidade:

11.1 - Doenças cardiovasculares.

11.2 - Mortes violentas.

11.3 - Câncer.


Imagem 9 -  Comparativo entre expectativa de vida do policial comparado aos demais servidores públicos. Elaboração AAPC.







12. Entre os fatores que favorecem uma expectativa de vida menor que a média da população, está a prevalência de alguns principais problemas de saúde no contingente policial, como problemas mentais, osteomusculares, cardiovasculares, digestivos, oftalmológicos e respiratórios. No estudo já mencionado da FGV, apresenta quadro acima da média para todos os problemas relatados acima. 




Imagem 10 -  Principais problemas de saúde verificados nas polícias. FGV.






13. Por sua vez, os hábitos de vida colaboram para uma qualidade de vida inferior à dos servidores policiais. Mais uma vez, a PCDF destaca-se negativamente, com maior prevalência de má alimentação entre seu efetivo, na comparação com a Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, o que facilmente explica-se pelas escalas extenuantes e falta de repouso remunerado adequado.





Imagem 11 -  Principais problemas de saúde verificados nas polícias. FGV.






14. Registre-se, ainda, que, na recente pandemia do coronavírus, mais uma vez restou demonstrado o alto risco das atividades desempenhadas pela PCDF. De acordo com a Organização mundial de saúde, em todo o período da pandemia, o número de contaminados em todo o planeta alcançou a taxa de  8,20% da população mundial, ou 270 milhões de casos. O Brasil registrou durante todo o período um total 22 milhões de caso, o que equivale a 19% da população nacional. Note-se que,  em março de 2021, quando a vacinação ainda era incipiente, a AAPC contabilizou à época uma taxa de contaminação de 47% apenas na categoria da carreira de Agente Policial de Custódia, cuja maioria dos servidores atuava na Carceragem da PCDF


Imagem 12 - Contaminação média COVID. Elaboração AAPC.




15.    Os dados acima demonstram que os policiais estão mais expostos à violência e adoecimentos diversos pela própria natureza da atividade profissional. Ainda assim, frequentemente esses profissionais têm negado os direitos que possam enfrentar essa realidade.



16.    Registre-se, por exemplo, no caso dos Policiais Civis do Distrito Federal, que na última reforma da Previdência, esses profissionais não tiveram tratamento e regras diferenciadas, mesmo estando sujeitos a jornadas de trabalho superiores a doze horas diárias e permanente estado de disponibilidade e pronto emprego, o que significa que podem ser acionados a qualquer hora do dia ou da noite. No fatídico 8 de janeiro de 2023, para se ter uma ideia, todo o efetivo disponível foi convocado e empregado de imediato.



17.    Além disso, horas extras, pagamento majorado pelo serviço realizado à noite e o direito ao aperfeiçoamento e treinamentos regulares no horário de trabalho ainda são um objetivo e não uma realidade da maioria das polícias no Brasil.



18.    Mudar essa realidade permitirá que os profissionais de segurança pública passem de uma posição reativa ao crime para uma postura estratégica de enfrentamento qualificado á violência sistêmica, em especial aos grupos vulneráveis e crime organizado.






* Fabrício Gildino é presidente da AAPC.

Associação dos Agentes Policiais de Custódia da PCDF.




REFERÊNCIAS



QUALIDADE DE VIDA DO POLICIAL CIVIL: FATORES DE ESTRESSE OCUPACIONAL

http://www.revistas.pr.gov.br/index.php/espc/edicao-2-artigo-3



ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA 2022

FBSP

https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=15




BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO 33 - MINISTÉRIO DA SAÚDE

https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2021/boletim_epidemiologico_svs_33_final.pdf




SUICÍDIO DE POLICIAIS CRESCE 55% EM UM ANO NO BRASIL

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/07/suicidio-de-policiais-cresce-55-em-um-ano-no-brasil.shtml




Impacto das atividades profissionais na saúde física e mental dos Policiais Civis e Militares do Rio de Janeiro

https://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/impacto-das-atividades-profissionais-na-saude-fisica-e-mental-dos-policiais-civis-e-militares-do-rio-de-janeiro/1723?id=1723




PRIMEIROS RESULTADOS DA PESQUISA NACIONAL DE SAÚDE - 2019 RELATIVOS A

INTERNAÇÕES HOSPITALARES

https://www.observatoriohospitalar.fiocruz.br/conteudo-interno/primeiros-resultados-da-pesquisa-nacional-de-saude-2019-relativos-internacoes#:~:text=Esta%20propor%C3%A7%C3%A3o%20pode%20ser%20denominada,%E2%80%93%20um%20aumento%20de%2010%25.



Qualidade de Vida, sofrimento psíquico e vitimização do trabalhador nas Instituições de Segurança Pública e foi realizada por pesquisadores do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais em atendimento ao Edital de Convocação nº 002/2015 PROJETO BRA/04/029 - Segurança Cidadã - Projeto Pensando a Segurança Pública. 

https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/3418/1/54qualidade-de-vida-sofrimento-psiquico-e-vitimizacao-do-trabalhador-nas-instituicoes-de-sp.pdf



POLICIAIS E BOMBEIROS MILITARES MORREM EM MÉDIA AOS 58 ANOS.

http://www.espacomilitar.com/2019/03/policiais-e-bombeiros-militares-morrem.html?m=1



ESCUTA DOS PROFISSIONAIS DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
2021

https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/11/infografico-escuta-2021-fbsp.pdf




Resultados Preliminares da Pesquisa da Expectativa de Vida do Policial Rodoviário Federal,

do Policial Federal e do Policial Civil do Distrito Federal 

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/787669f5-4d89-4947-98b2-c072baf8d549






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