PLANTÃO DE OPORTUNIDADES
No plantão passado chegou um homem alto, magro e com a aparência bastante desgastada. Sentou-se à minha frente e começou a contar o motivo pelo qual estava ali. Pelo sotaque percebi que era mineiro ou goiano. Trouxe consigo um caderninho tipo aquelas cadernetas antigas que eram usadas para registrar as compras que eram feitas para pagar depois (fiado). Escreveu nela com letra de fôrma e resumiu as histórias com o jeito mineiro, dizendo que muita gente queria prejudicar a vida dele, inclusive seu irmão. Disse que o irmão era bandido e que cometia crimes e dava seu nome em vez de dar o dele. Ele, segundo ele mesmo, era honesto e trabalhador e quem quisesse conhecer sua reputação era só ir em Itumbiara e perguntar pelo gaguinho que mexia com eletrônica.
Apesar do semblante sofrido, gaguinho tinha uma alegria no jeito de falar. Puxei, então, o assunto e desenvolvi uma prosa ao estilo mineiro de ser. Ele revelou que os problemas e as perseguições lhe renderam até um tratamento psiquiátrico. Era bem perceptível que seria aconselhável mais algumas sessões para ajustar algumas coisas que ainda estavam fora do lugar. Durante a nossa prosa, Reginaldo não gaguejou nenhuma vez, apesar do apelido. Perguntei se havia sido curado da gagueira e ele respondeu que se ficasse nervoso não saía nada e que precisava falar cantando para driblar o problema.
A conversa foi ficando engraçada e o bom-humor tomou conta do ambiente. Ele falou bastante e rimos muito também. Mas, em determinado momento, sua face esguia, quase esquelética, me fez perguntar se ele já havia comido naquele dia. Ele, como bom mineiro, ficou sem jeito e envergonhado. Olhou por uns instantes para mim e só sacudiu a cabeça indicando que não. Falei num tom descontraído:
- tem bolacha e café, quer?
Ele respondeu que um cafezinho seria bão.
Fui lá e busquei uma mãozada de bolachas e um copo de café quentinho para ele.
Vi que o problema dele não seria resolvido por nós, pois o único crime que eu conseguia enxergar ali, era o da indiferença social que marginalizou e ainda marginaliza pessoas e as torna doentes. Na cabeça daquele homem havia uma série de questões que ele próprio as criara para justificar seu estado de completo abandono. Na verdade, Reginaldo não queria registrar nada só precisava de atenção e de um pouco de comida.
Depois de um papo descontraído e algumas risadas, ele saiu sem a ocorrência nas mãos, mas com o coração mais aquecido e esperançoso. Às vezes, ouvir quem já não tem mais a quem recorrer é um trabalho precioso que nós, policiais, podemos e devemos fazer. Representamos, muitas vezes, a solução, o amparo e a justiça que foram negados a estas vítimas da crueldade humana. São pessoas que outrora eram equilibradas, trabalhavam e tinham família, mas os abusos, as dificuldades e as pressões sociais constantes minaram a sanidade mental delas e fizeram com que elas perdessem tudo.

Cabe a nós, que ainda temos um pouco de compaixão, levar ao próximo que nos procura, mesmo que ele não saiba pedir, a solidariedade e o calor humano de que tanto necessitamos. Ver com os olhos de Cristo nos ajuda a entender as carências dos outros. Somos resgatados todos os dias de nossas próprias loucuras e perdoados de nossos erros, por que não darmos um pouco do que recebemos? Fica aqui, mais uma reflexão de um plantão que não para de nos proporcionar oportunidades. Você consegue ver?
Ronaldo Naves